quinta-feira, 26 de março de 2009

Fogo fátuo

Essa existência passa breve e há dois modos de se enxergar isso. Um é o ponto de vista da ilusão: “Voar livre e sem compromissos”, lançar-se a diversas experiências, vivenciar um grande número de sensações, ter diversos relacionamentos “amorosos”, esquecendo-se, totalmente de suas responsabilidades afetivas e espirituais. Esta é uma perspectiva muito estreita da vida, embora bastante difundida pela sociedade de consumo, que lucra muito com ela. Baseada num hedonismo adulterado, esta visão, que na verdade é mais uma “cegueira”, consiste na demanda de uma felicidade falsa, dentro da qual, à medida em que as possibilidades econômicas, sociais e políticas vão melhorando, troca-se de roupa, de carro, de casa, de marido ou de esposa por novos modelos correspondentes ao novo status. Casamentos ou “relacionamentos” tão descartáveis como papel higiênico se sucedem, assim como o acúmulo ou a renovação de bens, as conquistas de títulos e de cargos e o desfrute de inúmeras paisagens exóticas. Com que propósito?
O trabalho não é encarado como um meio para cumprir uma missão maior, espiritual, mas um canal para a obtenção de melhores posições profissionais e maiores competência técnicas, que facultarão outras possibilidades de gozo e de prazeres, renovadas experiências, trazidas por novos “contatos”. Os que assim pensam até podem acorrer a centros de meditação para desenvolver a “consciência”, estudar esoterismo e ter uma dieta impecável. Mas persiste a pergunta: “para que?”, ou melhor, “para onde?”. Uma pergunta radical pelo propósito permanece.
Frei Betto disse isso de uma maneira formidável: “Quando eu era criança, a infância era até os 12 anos, então começava a adolescência, que ia até os 18 anos, quando iniciava a juventude, até as pessoas ficarem adultas, aos 25 anos, o que seguiam sendo até envelhecerem, quando estavam com mais 55 anos. E ninguém tinha vergonha de ser velho. Hoje é diferente: as pessoas são crianças até os 30 anos, depois adolescentes até os 50, que é quando então começa a juventude...”
O discurso da irresponsabilidade e do descompromisso radical é vendido hoje em qualquer loja de shopping, em qualquer “terapia”, novela, farmácia, supermercado, outdoor ou filme. E o pior: é comprado facilmente. Na Espanha, assisti na TV uma propaganda de bebida alcoólica cujo slogan era: “Sê infiel!”. Um casal se separa a cada 5 minutos naquele país, dado aproximado ao de outros países ocidentais. O resultado dessa bizarra equação é que, aos 30 anos, muitos homens e mulheres não sabem o que vão querer ser quando crescerem...
Maridos deslumbrados abandonam esposas, para deixarem de ser o “número um” no coração de alguém e tornarem-se “mais um” no currículo de aventuras de outras. Mães abandonam filhos pelo emprego, pelo maior salário ou pelo amante, usando o bordão fácil: “Quero ser feliz, preciso pensar em mim!”. Todos sem saber, ao certo, o que seja a vida. Muitos e muitas se lançam a este engodo, renunciando, por vezes, à sua dignidade pessoal e tendo de recorrer a mentiras psicológicas para justificar as suas escolhas irresponsáveis e os seus atos inconfessáveis. Delírio, traição e promiscuidade, travestidos de “liberdade”, como se a perspectiva única e última da existência fosse a morte, antes da qual tivéssemos de experimentar todas as infinitas possibilidades, entre elas, a de nos extraviar. Contudo, a verdade é como a tosse, não podemos escondê-la por muito tempo, ela sempre vem à tona. O saldo inevitável de uma existência com muita diversão e nenhuma conversão será sempre o vazio, o tédio e o remorso.
É claro que cada um pode seguir o curso que quiser até aprender que o caminho não é aleatório. Ele tem setas claras. Podemos não segui-las ou ignorá-las, mas corremos o sério risco de caminhar em círculos, de não chegar a nenhum lugar, de perder tempo ou ainda de terminar num charco ou num deserto. E como é o outro caminho? É a via das responsabilidades conscientemente assumidas. Quando sabemos que estamos aqui por uma razão, não abdicamos de nossas posições, nem abandonamos o nosso posto. Ser jovem é uma parte essencial da vida, mas quando nos apegamos demais a qualquer época da nossa vida, deixamos de viver as outras. Paulo de Tarso disse: “Quando eu era criança gostava das coisas de criança, quando adulto, cuido das coisas de adulto...”. Ninguém cresce renunciando a compromissos, mas assumindo-os e cumprindo-os.
Ninguém evolui buscando sensações ao redor do mundo, mas descobrindo que os recursos para ser feliz estão ao alcance das suas mãos: na companhia ao seu lado, na família onde está, na moldura em foi posto no quadro desta existência. Há sempre um tesouro enterrado debaixo de nossa própria cama, como nas mil e uma noites. Às vezes temos de dar a volta ao mundo para achá-lo, mas devemos estar prontos para retornar para casa, pois, se não reconhecemos que temos uma, então jamais encontraremos tesouro algum. Arquimedes disse que moveria o mundo com um ponto de apoio. Ele sabia o que dizia, pois nenhuma alavanca funciona no vácuo. Sem um lugar, sem uma raiz, sem um compromisso conosco e com o outro, tornamo-nos insípidos, superficiais e confusos.
Diziam os gregos: “se quiseres ser feliz, casa-te com teu destino”. Eles sabiam o que diziam, porque, de fato, a felicidade não é possível fora dele. Não se trata de fatalismo, mas de realidade. A flor não deve abandonar as suas raízes se quiser florescer. O fruto, quando se desprende da árvore prematuramente, não atinge a sua maturidade, pois apodrece ainda verde. Ë o que acontece com todos aqueles que desertam de suas responsabilidades pessoais ou domésticas, buscando as facilidades e ilusões do mundo. Disse Ângelus Silesius que “quem corre sem verdadeiro amor não alcança o Paraíso. Saltita ora cá, ora lá, como um fogo fátuo...”
Nota: Fátuo = Muito tolo, Transitório.
(Emerson Barros de Aguiar)

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