Guardei este pedaço da página 83 da Revista Veja por quase 15 anos. Na época, apesar de toda dificuldade que tinha para digerir as atitudes políticas de ACM, vi um pai desesperado pela ausência inesperada do filho. Esses dias revendo alguns livros encontrei a matéria e repasso para leitura. A vida é um sopro! (ACM: * 04/09/1927 + 20/07/2007 = LEM: *16/03/1955 + 21/04/1998).
“DUVIDEI DA EXISTÊNCIA
DE DEUS”
“Foi pelo movimento nos corredores que eu notei que havia
acontecido alguma coisa incomum. O Bernardino (Tranchesi, cardiologista) veio
suado, correndo. Dizia: estamos fazendo isso, estamos tentando aquilo. Nem os
médicos esperavam que acontecesse. Tanto que me convidaram para assistir a
operação. Eu não quis. Não tive coragem. As quatro vezes que conversei com meu
filho foi entrando e saindo do quarto. Falamos sobre coisas normais, coisas de
sempre. Se soubesse, acho que teria me agarrado a ele, beijando-o. Penso
que ele teve um pouco de consciência do que iria acontecer. Era muito alegre e,
no hospital, não sorriu nem uma vez. Eu o provoquei, agradei-o, fiquei passando
a mão no seu rosto. Disse que ele
tiraria aquilo de letra. Mas ele não sorria.
Eu e Luís Eduardo éramos a mesma coisa. Éramos irmãos,
pai e filho, amigos. Tudo o que a humanidade pode ter de bom nós tínhamos na
nossa relação. Ele pensava por mim, eu pensava por ele. Sempre foi o filho mais
colado a mim, o que me acompanhava, o que queria viver a minha vida. Desde pequeno.
Tenho muitas lembranças. Nós veraneávamos em Madre de Deus, o que é uma praia
perto de Salvador. Lembro-me dele brincando no mar. Mais tarde, dele aprendendo
a dirigir, pegando o corro antes da hora, escondido de mim. Ficava bravo. Mas
ele tinha um jeito especial de transformar minha raiva em carinho. Me dobrava.
Ai vieram aqueles momentos no hospital: a correria, o desespero, o rosto dele
enrijecido no caixão.
Nunca pude imaginar que meu filho fosse antes de mim. Ele
ficou quarenta dias me assistindo quando fiquei enfermo do coração. Ajudou a me
salvar. E eu, em quatro horas o perdi. Fiquei me torturando, imaginando
se poderia ter feito algo diferente. Se tivéssemos ficado em São Paulo naquela
noite teria sido melhor? Se tivéssemos ido à Bahia, não a Brasília? Isso ficou
na minha cabeça, rondando. Noites inteiras. Só senti um pouco de alívio depois
que procurei especialistas e todos disseram que o caso de Luís Eduardo não
tinha salvação. Ouvi médicos do Brasil inteiro. Saía com exames do meu filho na
mão, mostrando a todo mundo.
Quando uma coisa dessas acontece, você começa a
descrer de Deus. Eu duvidei da existência de Deus. Porque os desígnios
de Deus não podem ir até esse ponto. Conversei com dom Eugênio (Sales,
arcebispo do Rio de janeiro), ele restabeleceu um pouco a minha fé. Mas só em parte, porque sempre fica alguma
coisa, embora reze toda noite pelo meu filho. A verdade é que eu não me conformei, não me
conformo. Não há minuto que eu não viva isso, não há dia que eu não sofra, não
há noite que eu não chore. Não há hipótese. As coisas pra mim ser tornaram
pequenas. De modo que eu cumpro o meu dever e não tenho deter medo de nada. Já perdi o que tinha de melhor.
Nada pode me doer mais. Eu já tive o pior. Estou anestesiado.”
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